Echovirus 4 associado à doença da mão, pé e boca

VIROLOGY

Echovirus 4 associado à doença da mão, pé e boca

Echovirus 4 associado à doença da mão, pé e boca

Denise Hage Russo; Adriana Luchs; Bráulio Caetano Machado; Rita de Cássia Carmona; Maria do Carmo Sampaio Timenetsky

Laboratório de Vírus Entéricos, Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência a

SUMÁRIO

Doença da mão, pé e boca (DMF) é uma infecção enteroviral contagiosa que ocorre principalmente em crianças e caracterizada por erupções palmoplânticas vesiculares e estomatite erosiva. O equovírus 4 (EV-4) tem sido comumente associado com meningite asséptica. A associação da DMF com o EV-4 não foi relatada anteriormente. Duas amostras de uma criança de 14 meses que apresentou febre leve, feridas na boca, erupção cutânea com bolhas na palma das mãos e plantas dos pés foram enviadas ao Laboratório de Vírus Entéricos do Instituto Adolfo Lutz. As amostras clínicas foram inoculadas em três linhas celulares diferentes, e as que apresentaram efeito citopático (CPE), foram submetidas ao Ensaio de Imunofluorescência Indireta (IFA) e RT-PCR “um passo”. A electroforese em gel de agarose do produto RT-PCR, mostrou um produto com 437 bp, que é característico do grupo dos Enterovírus. O Echovirus 4 foi identificado pelo IFA. Embora a DMF seja uma infecção viral associada principalmente ao Enterovírus 71 (HEV-71) e ao Coxsackievírus A16 (CV-A16), nossos resultados demonstram uma diversidade de serotipos relacionados à DMF e enfatizam a importância da vigilância epidemiológica para esta doença e suas complicações.

Keywords: Doença da mão, pé e boca; Enterovírus; Equovírus.

RESUMO

A Doença de Mão, Pé e Boca (DMPB) é uma infecção enteroviral contagiosa que ocorre principalmente em crianças sendo caracterizada por erupções palmoplantares vesiculares e estomatites. Echovirus 4 (EV-4) é comumente associado a meningite asséptica. A associação de DMPB por EV-4 não foi descrita anteriormente. Duas amostras provenientes de uma criança de 14 meses apresentando febre, secreções na garganta e exantemas nas palmas das mãos e dos pés, foram enviadas para o Laboratório de Vírus Entéricos do Instituto Adolfo Lutz. As amostras foram inoculadas em três diferentes linhagens celulares; aquelas que apresentaram efeito citopático (ECP), foram submetidas a ensaio de imunofluorescência indireta (IFI) e “one step” RT-PCR. A eletroforese em gel de agarose realizada com o produto de PCR apresentou um produto de 437pb, característico de grupo Enterovirus. O sorotipo EV-4 foi identificado por IFI. Apesar da DMPB ser uma infecção viral associada principalmente com Enterovirus 71 (HEV-71) e Coxsackievirus A16 (CV-A16), nossos resultados enfatizam a necessidade de estudos epidemiológicos e laboratoriais direcionados ao EV-4 como agente causador de DMPB.

INTRODUÇÃO

A Doença da Mão, Febre Aftosa (DMPB) é uma doença comum em lactentes e crianças menores de 10 anos e é caracterizada por febre, feridas na boca e erupções cutâneas com bolhas. A DMF começa com febre leve, falta de apetite, mal-estar e dores de garganta frequentes. Um ou dois dias depois, a febre e o desenvolvimento de feridas na boca são observados. Pequenas manchas vermelhas com bolhas que se tornam úlceras costumam aparecer. Elas estão geralmente localizadas na língua, nas gengivas e no interior das bochechas. A erupção cutânea desenvolve-se ao longo de 1-2 dias com manchas vermelhas planas ou em relevo, e algumas com bolhas. A erupção cutânea não causa comichão e localiza-se geralmente nas palmas das mãos e nas plantas dos pés. Aparece também nas nádegas. Embora, algumas pessoas com DEFM possam ter apenas erupções cutâneas ou úlceras da boca4.

Transmissão ocorre de pessoa para pessoa por contacto directo com descargas no nariz e garganta ou por via oral fecal. O DMF não é transmitido para ou de animais de estimação ou outros animais. Casos individuais de DEFM ocorrem em todo o mundo, mais frequentemente no verão e início do outono4. A disseminação vertical da mãe para o feto também ocorre, mas, casos resolvidos sem complicações a longo prazo, a infecção no primeiro trimestre pode levar a aborto espontâneo ou retardo no crescimento intra-uterino. Outras complicações têm sido relatadas, incluindo miocardite, meningoencefalite, edema pulmonar e até morte16.

O primeiro relato de DMCH foi feito por ROBINSON & RHODES em 195812. Eles relataram um exantema com febre associada e lesões orais, observado em mais de 60 pessoas em junho e julho de 1957 em Toronto, Canadá. O Coxsackievirus A16 (CV-A16) foi isolado de dois terços dos 27 espécimes de fezes estudados. A próxima epidemia de Coxsackievirus relatada ocorreu em Birmingham, Inglaterra, no verão de 1960 e foi descrita por ALSOP et al.2 que notaram lesões vesiculares nas mãos e pés com lesões orofaríngeas e que nomearam a erupção de mão, pé e doença da boca16.

HFMD é causada por Enterovírus, membros da família Picornavirus (RNA de cadeia única, não envolvida) e é mais comumente associada com CV-A16 ou Enterovírus 71 (HEV-71). Casos esporádicos associados ao CV-A4 a CV-A7, CV-A9, CV-A10, CV-B1 a CV-B3 e CV-B5 também foram relatados. As infecções são normalmente esporádicas mas ocorrem regularmente epidemias. A infecção viral inicial é a mucosa bucal e a mucosa ileal e é seguida pela propagação para os linfonodos regionais dentro de 24 horas. A virémia segue-se rapidamente e o vírus propaga-se à mucosa oral e à pele. Cerca do 7º dia após a infecção, os níveis séricos de anticorpos podem começar a aumentar 6,8.

PATIENTES E MÉTODOS

Amostras: Durante julho de 2003, ocorreu um surto de DMF em uma creche na cidade de São Paulo, e duas amostras de fezes de um caso suspeito de 14 meses de idade do sexo masculino foram enviadas ao Laboratório de Vírus Entéricos do Instituto Adolfo Lutz. Ele apresentou febre, feridas na boca, mal-estar, falta de apetite e erupção cutânea nas palmas das mãos e nas plantas dos pés. Outras oito crianças do mesmo centro, na faixa etária de 10 meses a 3 anos, apresentaram sintomas semelhantes. A DMH foi diagnosticada por outros centros médicos (Comunicação pessoal). Foi impossível coletar amostras de soro pareadas para proceder os testes serológicos para titulação de anticorpos.

Isolamento e identificação viral: As amostras coletadas em seis dias após a volta, foram esclarecidas sob centrifugação a 10.000 x g/60 minutos, a 4 ºC; antibióticos (estreptomicina e penicilina) foram adicionados e o sobrenadante foi armazenado a -70 ºC até a inoculação (0,1 e 0,2 mL/tubo) em três linhas celulares diferentes: RD (rabdomiossarcoma humano), HEp 2 (carcinoma epidérmico da laringe humana) e Vero (rim de macaco verde) contendo o meio essencial mínimo (L15 de Águia, Eagle + AANE + piruvate e 199 meios, respectivamente). Depois, os tubos foram mantidos a 35-37 ºC. As culturas foram observadas ao microscópio invertido todos os dias, a fim de visualizar o efeito citopático (CPE). Passagens sucessivas do material inoculado foram feitas até o aparecimento ou não do efeito citopático característico da infecção pelo VHE7.

Ensaio de Imunofluorescência Indirecta – IFA: Quando a cultura celular apresentava pelo menos 75% de CPE, este era raspado do tubo e a suspensão celular era manchada numa lâmina de vidro, que era seca ao ar e fixada com acetona. Em seguida, foi submetido ao Ensaio de Imunofluorescência Indirecta (IFA), utilizando anticorpos monoclonais específicos, comercialmente disponíveis (Chemicon International Inc., Temecula, CA/USA) para os serotipos do género, grupo e HEV. Os poços das lâminas foram examinados sob um microscópio de epifluorescência3.

RT-PCR: O RNA viral foi extraído do vírus isolado por Trizol® LS (Invitrogen, cat. 1296-010) e clorofórmio, de acordo com as instruções do fabricante. Após a centrifugação a 12.000 xg, a fase aquosa foi separada e a precipitação feita com álcool isopropílico. O granulado de RNA foi lavado com etanol a 75%. Ao final do procedimento, o RNA foi seco brevemente e ressuspenso com água Milli-Q; RNAsin como adicionado e o RNA armazenado a -70 ºC. O cDNA foi sintetizado utilizando o RNA extraído e a mistura: 50 mM MgCl2; 10x tampão PCR; 1,25 nM dNTP; 20 µM/µL primer AS1/S1; 2 µL Super Script II RNAse Reverse Transcriptase; 2,5 U/µL TaqQ DNA Polimerase; 40 U/µL RNAsin e Milli-Q água. As reacções de amplificação foram realizadas em Gene Amp PCR System 9600 Perkin Elmer thermocycler com a seguinte programação: (42 ºC/1h) + (95 ºC/5 min) + 25 ciclos (94 ºC/1 min + 50 ºC/2 min + 72 ºC/1min) + (72 ºC/7min). Os produtos PCR foram separados por gel de agarose a 1,5%, corados com brometo de etídio, e visualizados sob luz UV. Os primários dirigidos para a região 5’não-traduzida amplificaram um produto de 437bp13.

RESULTADOS

CPE sugestivo de HEV: arredondamento, encolhimento, piknose nuclear, refratariedade e degeneração celular foram sensíveis às células RD e Vero. O tempo para relatar culturas positivas foi de cerca de 4-7 dias.

Uma fluorescência verde maçã brilhante no núcleo e/ou citoplasma das células pôde ser observada sob o microscópio de epifluorescência, a 400x, indicando uma reação positiva ao sorotipo do ecovírus 4. O IFA foi negativo para os outros anticorpos monoclonais.

RT-PCR foi aplicado para confirmar o gênero HEV. A eletroforese em gel de agarose mostrou um produto com 437 bp, identificando o HEV (Fig. 1).

DISCUSSÃO

O agente etiológico identificado neste estudo é HEV diferente dos outros anteriormente relacionados à DMF. Esta síndrome tem sido comumente associada ao CV-A16 e ao VEF-71, enquanto nenhum dado epidemiológico sobre o VE-4 associado à DMF, foi encontrado na literatura.

Mean enquanto o surto de DMF ocorreu na Malásia (1997) foi associado ao EV-1, CV-A9 e HEV-711. A DMF causada pelo VEF-71 tem sido associada a casos fatais de encefalite durante os surtos na Malásia (1997) e Taiwan (1998)17. O EV-7 foi encontrado no final de 2000, além do CV-A16 e EV-7, como um agente etiológico da DMF5. No Brasil, MOREIRA et al., (1995) relataram uma doença exantemática epidêmica associada ao vírus da coxsackievírus B3 (CV-B3)10. Nenhum relato sobre a associação com EV-4 e DMH está relacionado no Brasil, talvez devido à ausência de suspeitas clínicas.

O EV-4 está geralmente relacionado com meningite asséptica, encefalite, paralisia, síndrome de Güillan-Barré, exantema e doenças respiratórias e tem sido encontrado em todo o mundo, principalmente como causa de surtos de meningite asséptica: em Cuba, de 1972 a 1999; na Cidade do Cabo, África do Sul, de 1981 a 1989; em Abril de 1997 nas regiões de Israel e da Autoridade Palestiniana; em Espanha, de 1988 a 2003; no Outono de 1982 na Polónia, e em Vellore e arredores na Índia, em 20028,9,11,14,15,18.

Tipicamente, as infecções por enterovírus ou são assintomáticas ou resultam em doença leve. Portanto, recomenda-se a coleta de amostras de soro para proceder à titulação de anticorpos pela técnica de micronutralização, o que seria mais um parâmetro para confirmar que o vírus isolado é o responsável pela doença. Associado ao isolamento das fezes, o aumento de quatro vezes a titulação do soro (seroconversão) confirma a infecção aguda. Infelizmente, não foi possível obter amostras de soro neste estudo.

Apesar disso, todas as outras oito crianças foram diagnosticadas como DMCH por centros médicos, com base nos sinais clínicos.

Apesar deste resultado não poder ser suficiente para afirmar que o EV-4 era uma causa da doença, pareceu razoável concluir que sinais e manifestações clínicas evidentes confirmam a hipótese de que o vírus não é um vírus passageiro.

É importante acentuar que o CV-A16 e o HEV-71, conhecidos como a principal causa da DMF, geralmente produzem CPE nas culturas de células RD, HEp2 e Vero; mas neste estudo eles não foram identificados.

O nosso trabalho mostra o EV-4 como um agente causal da DMF e sugere a possibilidade de que outros serótipos de VEF, possam eventualmente estar relacionados com casos de DMF. Este relato de caso enfatiza a necessidade de intensificar os estudos epidemiológicos e laboratoriais sobre este serotipo e a vigilância de outros serotipos de VEF envolvidos na DMF, deve ser aumentada no Brasil.

ACONTECIMENTOS

Estamos especialmente gratos ao Dr. Luís Florêncio Salles Gomes por suas sugestões e críticas a este trabalho.

1. ABUBAKAR, S.; CHEE, H.Y.; SHAFEE, N.; CHUA, K.B. & LAM, S.K. – Detecção molecular de Enterovírus a partir de um surto de doença das mãos, pés e boca na Malásia em 1997. Escândalo. J. infectar. Dis., 31: 331-335, 1999.

2. ALSOP, J.; FLEWETT, T.H. & FOSTER, J.R. – “Doença da mão e da boca” em Birmingham, em 1959. Brit. med. J., 5214: 1708-1711, 1960.

3. BASTIS, D.; SIMONET, S.; PATTERSON, M.A. & NEILL, S. – Identificações de Enterovírus por imunofluorescência indirecta usando anticorpos monoclonais. Clin. diagnóstico. Virol., 3: 38-93, 1995.

4. CENTRO DE CONTROLE E PREVENÇÃO DE DOENÇAS – Ramo dos Vírus Respiratórios e Entéricos, 2004. (disponível em http://www.cdc.gov/ncidod/dvrd/revb/Enterovirus/hfhf.htm). Acessado em maio de 2005.

5. CHUA, B.H.; McMINN, P.C.; LAM, S.K. & CHUA, K.B. – Comparação das sequências nucleotídicas completas da estirpe UMMC do equovírus 7 e da estirpe protótipo (Wallace) demonstra uma deriva genética significativa ao longo do tempo. J. gen. Virol., 82: 2629-2639, 2001.

6. GRAHAM, B. – Doença das mãos, pés e boca. EMedicine Journal, 2002. (disponível em http://www.emedicine.com/derm/topic175htm). Acessado em maio de 2005.

8. HANDSHER, R.; SHULMAN, L.M.; ABRAMOVITZ, B. et al. – Uma nova variante do equovírus 4 associada a um grande surto de meningite asséptica. J. clin. Virol., 13: 29-36, 1999.

9. McINTYRE J.P. & KEEN, G.A. – Vigilância laboratorial da meningite viral através do exame do líquido cefalorraquidiano na Cidade do Cabo 1981-9. Epidem. Infect., 111: 357-371,1993.

10. MOREIRA, R.C.; CASTRIGNANO, S.B.; CARMONA, R.C. et al. – Uma epidemia de doença exantemática associada à infecção por coxsackievírus B3 em uma creche. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo, 37: 235-238, 1995.

11. PIERZCHALA, K.; GRUDZINSKA, B.; BARA, M. & KLOSINSKA, E. – Seqüela tardia de meningite viral epidêmica. Wiad. lek., 42: 55-158, 1989.

12. ROBINSON, C.R.; DOANE, F.W. & RHODES, A.J. – Relato de um surto de doença febril com lesões faríngeas e exantema: Toronto, Verão de 1957; isolamento do vírus Coxsackie do grupo A. Canadá. med. Ass. J., 79: 615-621, 1958.

13. ROTBART, H.A. – Amplificação enzimática do RNA dos enterovírus. J. clin. Microbiol., 28: 438-442,1990.

14. SARMIENTO, L.; MAS, P.; GOYENECHEA, A. et al. – Primeira epidemia de meningite de equovírus 16 em Cuba. Emerg. infect. Dis., 7: 887-889, 2001.

15. SATHISH, N.; SCOTT, J.X.; SHAJI, R.V. et al. – Um surto de meningite por echovírus em crianças. Indian Pediat., 41: 384-388, 2004.

16. SCOTT, L.A. & STONE, M.S. – Exantemas virais. Derm. Online J., 9: 4, 2003.

17. SHIMIZU, H.; UTAMA, A.; YOSHII, K. et al. – Enterovirus 71 de casos fatais e não fatais de epidemias de doenças das mãos, pés e boca na Malásia, Japão e Taiwan em 1997-1998. Japão. J. infectar. Dis., 52: 12-15, 1999.

18. TRALLERO, G. & AVELLÓN, A. – Importancia del diagnostico de los Echovirus desde el punto de vista epidemiológico. Circulación de Echovirus 11 en los últimos años en España – Control Calidad SEIMC, 2004. (disponível em http://seimc.org/control/revi_viro/echo11.htm). Acessado em Maio de 2005

Leave a Reply